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Na cidade dos amarelos

À espera. Mais uma vez à espera. Sentada entre a octogenária e a criança de escola, com nada além de uma música que eventualmente se há de repetir, dou por mim a perder tempo da minha curta, mas turbulenta vida, a aguardar um dos amarelinhos da Carris que me poderá, quiçá, levar até casa. Não sei que fizemos nós, habitantes desta cidadela de três milhões, para merecermos este tratamento apenas porque, por umas e outras razões, não nos deslocamos de pópó na nossa actividade diária.
E nada acaba quando, desviando-se dos buracos da calçada, nos aparece o malfadado. Há sempre o velhinho que resolve atirar toda a sua fúria em cima do condutor ou o passageiro que subitamente se torna num iluminado orador perante uma plateia que não sabe se lhe há-de bater ou rir à gargalhada quando ele finalmente remata com um: Isto no tempo do Salazar é que era bom! Aparentemente andam por este país potenciais estadistas anónimos perdidos um pouco por todo o lado. Já que fazem tantos programas para encontrar famosos de meia tigela, porque não fazerem castings para políticos a sério? Um dia a depender da Carris dá de certeza razões tão boas como quaisquer outras para querer mudar alguma coisa neste nosso cantinho.
Enfim... Olhando à volta, até nem consigo conter um pequeno sentimento de pena por todos aqueles que sós atrás de seus volantes, se alinham quais soldados de um longo e repetitivo regimento enquanto aguardam a sua vez de cruzarem as duras batalhas lá para os lados da Ponte 25 de Abril, Segunda-Circular ou IC 19. Ao menos no meu gigante amarelo, enfiada entre o sovaco ou o saco do mini-preço ainda há tempo para ir lendo um livrinho ou observar discretamente os improvisados companheiros de viagem.
O problema está quando no fim de semana nos apetece ir dar um voltinha para fora da cidade e para isso dependemos dos dois autocarros de cada carreira que circulam no centro, isto supondo que as alterações de percurso que se dão nesses tão ansiados dias, não impossibilitem até que os ditos cheguem ao nosso bairro. Tudo para depois chegarmos a um dos vários centros de transporte existentes e constatarmos que o próximo transporte para o nosso destino parte daí a uma hora. E como, voltar para casa está fora de questão porque os únicos dois autocarros que circulam devem estar do outro lado da cidade, só nos resta procurar um café ou um jardim, se estiver bom tempo, para nos sentarmos e recorrermos à nossa melhor amiga, a bica. Mas, tal também pode ser tarefa difícil, tendo em conta que os ditos terminais estão geralmente localizados em locais isolados, além de haver a grande possibilidade de levarmos com várias placas de Descanso do pessoal no nariz.
Tenho pena que não nos sirvam melhor os donos dos amarelinhos, tenho muita pena. Mas enfim, por agora e por muito tempo, vou depender deles por isso deixa-me lá furar entre a multidão para ver se consigo sair que esta é a minha paragem.