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Previously on Lost



Tenho resistido a falar do meu novo vício audiovisual, talvez porque haja a concepção geral de que a ansiedade ligada a programas de televisão ganhe contornos de devoção a telenovelas ou reality-shows. Bem, Lost tem um pouco de tudo aquilo que normalmente se pode caracterizar como componentes aditivas de um produto. Vejamos:
- Novidade: Já todos vimos imensas séries baseadas em pessoas que ficaram presas numa ilha deserta, é verdade, só que raras são as que pretendem desenvolver as personagens através de flashbacks das suas vidas antes de embarcarem na fatídica viagem que os levou ali.
- Mistério: Também já vimos enredos cheios de suspense e perguntas (alguns de nós esperámos 9 anos por poucas respostas até), jogos de medo ou simplesmente um segredo o qual só ficamos a saber no último episódio, mas a gestão da informação mesmo entre o elenco, a subtileza das pistas, o suave levantar do véu para depois fechar com uma cortina ainda mais grossa, faz de Lost imprevisível e surpreendente de episódio para episódio.
- Variedade: Com tantas e tão diferentes personagens não corremos o risco de nos fartarmos. O simples facto de simpatizarmos ou gostarmos mais desta ou daquela personagem altera a nossa percepção do que se passa entre elas e na ilha. Os argumentistas sabem e jogam com isso.
- Referências: À primeira vista duas são óbvias, o livro Lord of the Flies e o reality-show Survivor. Com o avançar da narrativa o espectador atento descobre imensas referências de culto tais como o Star Wars, os X-Files, passando pelo The Office, os Beatles, e até jogos de computador como o GTA e claro a muito presente Religião.
- Interactividade: Já todos sabíamos da influência da internet como entretenimento, mas nunca uma série de televisão, muito menos na sua primeira temporada, levantou tanto frou-frou na comunidade cibernética. Estão contabilizados mais de 2000 sites dedicados directamente à série e existem inúmeros fóruns onde as discussões sobre a ilha extravazam para complicadas teorias sobre a própria existência humana. Os episódios de cada semana nos Estados Unidos estão disponíveis poucas horas depois, com legendas nas respectivas línguas, um pouco por todo o mundo. Com tanta actividade paralela não é de estranhar que os argumentistas comecem a pegar em expressões e ideias que os fans expressam nos foruns, veja-se o exemplo da expressão taillie, usada em vários posts para designar os sobreviventes da cauda do avião e imortalizada num dos últimos episódios pela personagem Hurley.

Mas o que eu mais gosto são as possibilidades de desenvolvimento de personagem. Imagine-se só cerca de 12 excelentes personagens cada um com a sua história de vida, marcada por um acontecimento trágico ou pelo menos fora do vulgar, com tendências agressivas na maior parte dos casos, presos num espaço limitado e assombrado por um medo sem nome. Além disso, cheios de segredos pré e pós o acidente que os trouxe ali. Segredos esses que o espectador conhece na sua maioria e que interferem claramente no seu julgamento sobre cada uma das personagens. Tudo isto na pessoa de um bom elenco de perfeitos desconhecidos que parecem ter sido nascido para fazer cada um daqueles papéis. Juntando a tudo isto a maravilhosa fotografia, o humor torcido e claro, o bom aspecto de alguns dos sobreviventes, sim, posso dizer, que a seguir a sete anos de devoção quase doentia aos Ficheiros Secretos e seis de Sexo e a Cidade, vai ser vulgar ver-me agarrada à televisão ou ao ecran do computador ansiosa e expectante como uma criança a quem prometeram um doce.